sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Trajetória: Os meus, os seus, os nossos potes


Trajetória: Os meus, os seus, os nossos potes
- Michell da Silva – Chellmí (Jovem Escritor Paulista)

No universo da rapidez, da estupidez, da utópica sensatez, dos que enterram pensamentos leves por não aguçarem alguns sopros de timidez, da imposta rigidez, talvez haja espaço para as histórias escorrerem sem frustrantes preocupações em serem taxadas como mera insensatez.
Pensemos que quando dormimos estamos esvaziando um pote, pote este que pode estar aberto, fechado, transbordando, pela metade, rachado, trincado, porém nunca sem nada, mesmo estando vazio, nunca está sem nada.
Pensemos também que quando acordamos nos deparamos com um pote vazio e que se nos permitirmos observá-lo, ganharemos algum tempo matutando como iremos carregá-lo e se o encheremos com algumas histórias, algumas palavras, alguns sons, alguns silêncios ou com outros vazios.
Que pote é este? Alguém pode carregá-lo? Qual o tamanho deste pote? É um pote específico ou um pote qualquer? Este pote é comprado? Este pote é ganho? Este pote é conquistado? O que carregamos em nossos potes? O que não carregamos e gostaríamos de carregar em nossos potes? O que você guarda no pote, mas não queria guardar? Por acaso, que pote você nunca se preocupou em carregar?
Ao nos encontrarmos com vidas que chegam cheias, vidas que chegam vazias, vidas que chegam aos cacos, vidas que estão chegando, vidas que irão chegar, pensamos, caímos ou nos levantamos em pensamentos sobre os potes que carregamos.
Há um grande esforço por parte de algumas pessoas em encher o pote de quem já está com o mesmo transbordando. Como assim? Sim, há uma força que direciona o enchimento destes potes sem imaginar ou sem se atentar se estes potes um dia já foram cheios, se um dia eles foram esvaziados, se um dia sequer existiram, por isso chamamos de força e não de energia.
Carlo Guinzburg, um historiador italiano, debruçou-se ao tentar entender um ser não tão comum à época em que viveu o personagem central de seu livro “O queijo e os vermes”, um moleiro chamado Menocchio, que caiu nas forças da inquisição.
Menocchio era um camponês de pote cheio, aprendeu ler bem e escrever razoavelmente, vivia na contramão de sua época, a mão era o pote oco para que opressores os deixassem maciço aos seus modos.
“Até que ponto podemos considerar representativa uma figura tão pouco comum, um moleiro do século XVI que sabia ler e escrever? E, além disso, representativa do quê? Com certeza, não de um veio de cultura camponesa, já que o próprio Menocchio apontava uma série de livros como fonte de suas ideias.” (GUINZBURG, 2006, p.72).*

As veredas que poderiam ser adentradas por inúmeras pessoas, que poderiam levar para mundos repletos de potes, das mais variadas histórias e memórias, muitas vezes não são apresentadas por conta de alguns seres pensarem que somente eles são capazes de cuidar de potes e não quebrá-los.
Estes potes não possuem tamanho específico, não possuem ou não deveriam possuir únicos donos, ou seja, os potes são de tamanhos ou deveriam ser de tamanhos que cada pessoa quisesse ou entendesse que fosse.
Este ser que vos escreve carrega potes que nunca imaginou carregar. A maioria destes potes estão rachados, estão frágeis e qualquer descuido eles podem se quebrar, porém alguns estão cheios de histórias e bem reforçados para não quebrarem tão brevemente, e mais, existem alguns que são carregados mesmo sem serem identificados prontamente.
Quando há intenções diretas de se quebrar potes pelo simples prazer de estilhaçar memórias ou apreciar cacos de reflexões jogados ao chão para que seus potes não ocupem os mesmos espaços que outros, não há mais lugar para as expressões e somente para as pressões, isto é, o que era para ser (ex)pressão continua numa engrenagem de pressão constante.
Os potes mais sensíveis quando ficam ao cuidado de seres insensíveis chegam a mudar de cor por conta da apropriação forçada, vejam bem, se modificam por intermédio de dominadores que impõem linguagens não assimiladas ou não pertencentes a tais potes 

* GUINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: O cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.


“A escrita, exigindo aprendizagem formal e transmissão social marcada, sofreu um processo de apropriação social por certas camadas da população que nela foram imprimindo seus modos de apreciação do mundo, seus modos de falar, suas palavras – no sentido de lógos – de modo que qualquer outra escrita que não se conforme ao discurso proferido pelas camadas que se apropriaram de um artefato coletivamente construído é considerada não escrita, quando na verdade o que se está excluindo são os discursos proferidos e seus sujeitos sociais.” (GERALDI, 2000, p.105).**

Existem potes que duram por meses, anos e até séculos, existem potes que duram minutos, horas e até segundos, existem seres que se consideram transformadores que fazem potes durarem por meses, anos e até séculos, assim como existem seres que fazem potes durarem por apenas horas ou minutos, isso quando não dão nem chance do pote ser explorado positivamente, para que seja observe se o mesmo está vazio, cheio, rachado ou em todos estes processos.
As trajetórias dos potes dependem e muito da trajetória dos seres que desejam quebrá-los ou cuidá-los. Os potes em princípio podem possuir tamanhos, espessuras, larguras e também comprimentos, talvez um dos maiores desafios para aqueles que se dispõem em tocar estes potes seja as estratégias que devem ser pensadas para que estes potes não se encham ou não se esvaziem por motivos opressores que tenham seu início e seu fim em apenas inícios e não sejam considerados seus meios e seus fins.
E seu pote, continua intacto?

GERALDI, João Wanderley. Culturas orais em sociedades letradas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 73, p.100-108, 01 dez. 2000.