CONTOS


ConVIVÊNCIA ou Sem VIVÊNCIA ?

Naquela manhã o sol e o vento confortaram o coração de cada um que ali estava.
Feriado prolongado, cidade grande, correria, angústia, ódio, suor, velocidade, pequena pausa nas rotinas que não são feriados, mas são prolongadas em ritmo que a mente já não acompanha.
Chicão, Laurinha, Maninho e Lindalva enfim, conseguiram conciliar as folgas e viajarem juntos. A grana como sempre era curta, porém não aguentavam mais serem explorados de domingo a domingo naquele shopping de boy, independente se a grana estava curta ou não, naquele fero prolongado eles sumiriam daquela cidade.
A vaquinha foi feita para abastecer a Brasília 78 de Chicão. Brasília que chamava atenção por vários motivos. Cor de abobora, enferrujada somente na porta do passageiro e uma garrafa grudada no capô. Sempre que perguntavam o porquê daquela garrafa, Chicão respondia.
- Guardo água do céu para regar os pés de bondade desta terra.
Geralmente as pessoas ficavam sem entender, mas ele fazia questão de dar uma de desentendido só para ver a expressão de espanto das pessoas.
Laurinha e Lindalva gostavam de samba, logo que saíram do posto Laurinha pegou um CD e pediu para Chicão por para tocar. Quando os autofalantes da Brasília começaram a gritar, eis a surpresa.
Maninho, sujeito de um metro e noventa, todo encurvado no banco da frente para não desmanchar seu penteado black power gritou.
- Nossa que zika!
Lindalva que até então estva meio sonolenta falou.
- Oxe, você sabe quem está cantando? Não me diga que conhece.
Maninho olhou levemente para trás e disse.
- Lindalva, meu amor. Esse é o Monarco da Portela, sua avó e meu pai adoravam ele, quando éramos crianças nas festas sempre rolava Monarco no bolachão. Por isso não sei porque tanta surpresa.
- Eu sei Maninho, foi só pra te encher mesmo.
Seguiram rumo a estrada, a viagem seria longa.
Entre conversas e risadas, Laurinha disparou que gostaria de observar o sol nascer. Chicão ainda tirou um sarro de leve.
- Laurinha, quem irá parir o sol? Quer vê-lo nascer ué.
Todos juntos murmuraram e Lindalva disse dando risada.
- Cale a boca Chicão, você é o pior!
De repente Laurinha fez uma observação.
- Espera aí. O Chicão não é tão pior assim. Imaginem o parto do sol todas as manhãs. O choro no céu e o sol logo se amamentando de vida, de olhos e sombras, imaginem que lindo, no meio do dia já alimentado, brilha fortemente e ao final da tarde volta para o colo da mãe noite, ai, ai, ai, o sol, a noite, que frescor na alma.
Por algum minutos ficaram em silêncio. Chicão dirigia olhando no espelho só analisando as expressões de seus amigos, enquanto Maninho quieto também ficava pensando...
- Nossa, que brisa é essa.
Chicão parou o possante para dar um descanso e guardar água do céu na garrafa.
O silêncio continuava, mas o clima era leve.
Foram ao banheiro, compraram um refrigeréco de 2L, pegaram seus lanches nas mochilas e sentaram num calçadão de um posto de gasolina na beira da estrada. Ali já estavam falando sobre a suposta chatice de seus irmãos, tirando onda com o refrigeréco que rapidamente esquentou. E logo voltaram apara a Brazoca.
De volta a estrada não tardou para os passageiros tirarem um cochilo. Chicão atento à entrada na estrada de terra não se distraia, e também não tinha como, pois Maninho que estava atrás agora, não parava de roncar em sua nuca.
Chicão finalmente para a grande abobora na cidade de São José do Pensamento Longo, cidade conhecida pelas suas paisagens.
Laurinha acorda e chama Lindalva e Maninho, enquanto Chicão estava mijando no pé da árvore. Só dava para escutar a tiração da galera.
- Ae mijão!
- Nem toca em mim se não lavar a mão.
- Nojento!
Chicão volta, pega a garrafa em cima do capô e diz.
- Muita clama, a água que rega os pés de bondade, também molha as mãos dos menos sujos.
E o coro se deu novamente.
- Se não brisar não é o Chicão.
A noite caiu, armaram a barraca num terreno próximo de um morro bem conhecido na cidade. O Morro das Palavras que Ecoam.
Ali tocaram violão, cantaram, fizeram uma pequena fogueira, tomaram algumas cervejas, contaram piadas, ficavam como imaginavam ficar, longe da rotina e sem pensar no trabalho, quanto menos nos playboys esnobes que eles tinham que atender no shopping.
Dormiram os quatro na barraca. Eram todos amigos, ninguém tinha intenção de ficar com ninguém, sem essa de passar pela cabeça de que amigos que viajam para o mato e dormem na mesma barraca têm que se tocar e se pegarem, outra ideia, outro rolê. 
Antes de amanhecer Laurinha acordou todos e acelerada fez com que eles fossem com ela até o Morro das Palavras que Ecoam.
Ao chegar no morro Laurinha começou a chorar. Num gesto nobre seus amigos abraçaram-lhe, até que Maninho pergunta calmamente.
- O que tá pegando Laurinha? Pode falar aqui todo mundo é irmão.
Laurinha mais tranquila falou sobre o motivo do choro.
- Gente, vocês sabem que meu irmão tá preso, eu me sinto muito mal as vezes de estar aqui me divertindo, enquanto ele tá lá, sem sequer poder ver o sol nascer. 
Os outros não conseguiram falar nada. E ela continuava.
- Minha mãe está doente e meu pai nem se importa com eles. Por isso que agitei pra gente vir pra cá, pra esquecer tudo isso, é osso.
Chicão passou a mão na cabeça dela e disse.
- É mana, sei que é osso, mas você sabe que na minha casa também não é fácil. Todo mundo me cobra um trampo melhor, que eu me vista melhor, que eu troque de carro, que eu entre na faculdade. Eu quero por hora estar aqui, assim, trocando com os meus, não sei bem explicar, mas também é osso.
Enquanto os primeiros raios de sol surgiam, Maninho observa a conversa e quase por intuição esperava Lindalva se colocar. E por uma espécie de leitura de pensamentos, Lindalva começa a falar.
- Caramba né gente, como se não bastasse sermos pobres, temos que ralar duro para aguentarmos aqueles boys chatos, as tretas que acontecem em nossas famílias nos atravessam profundamente. Meu irmão e um dos moleques da função estão todo-todo porque roubaram uma moto esses dias, se meu pai descola, é capaz de tirar o couro dele. Eu já falei pra ele que não vira, mas sabem né, o filho da mãe parece que não tem cérebro. 
Ofegante, Lindalva para de falar e aponta para frente. Os olhos arregalam-se que lembram até desenho de mangá. Chicão exclama.
- Nossa, que muito louco!
Era uma revoada de pássaros que tomava o céu e contrastava com a manhã, rosa, amarela e laranja que paria diante daqueles olhos arregalados.
Quando os pássaros sumiram de vista, Maninho em voz baixa começa a falar.
- Vocês não sabem, mas eu tinha um irmão que morreu aos 17 anos, já tinha caído na Febem duas vezes, meu pai não aceitava ele em casa. Ele morreu com uma renca de tiros, ninguém teve coragem de trocá-lo, somente minha mãe e meu tio. Eu ando de skate, canto um rap, estou tentando fazer cursinho, mas isso é muito pouco lá em casa, ninguém bota fé que um dia eu serei um ser humano que trocará umas ideias com a molecada para que, quem saiba, meu irmão, seus irmãos, tenham outras maneiras de caminhar que sejam pelo crime, e se tudo ocorrer bem, sairei o mais breve possível daquele shopping de boy de merda. 
Depois daquelas falas, cada um ficou só com seu silêncio e no decorrer do dia o clima continuava de descontração, mas não tão leve como na noite anterior. Antes de descerem o morro, Maninho sugeriu que cada um gritasse uma palavra que poderia representar aquela viagem. A turma topou ligeiro.
Chicão foi o primeiro.
- Famíliaaaaaaaaaaaaa...
Lindalva.
- Coragemmmmmmmm...
Maninho.
- Resistênciaaaaaaaaaa...
E por último, Laurinha.
- Convivênciaaaaaaa....
Desceram o morro, guardaram as coisas na Brazoca e se despediram de São José do Pensamento Longo.
A viagem de volta foi tranquila e muito silenciosa. Ao chegarem, Chicão deixou a galera na rua e foi guardar o possante. Voltou e logo se despediram.
Na mente de Laurinha ficava ecoando, Convivênciaaaaaaaa...
Antes de dormir, pensou.
- Neste feriado não apenas sobrevivi, mas também vivi. Com meus melhores amigos pude perceber que os problemas deles são os meus também e que se não nos fortalecermos entre nós, não adianta só ficarmos reclamando da playboyzada. E assim, o que ficou foi a ConVIVÊNCIA no encontro, e amanhã quando encontrá-los, falarei que seria interessante se dali em diante procurássemos novas maneira de Com Viver, porque Sem VIVÊNCIA, já bastam os boys que por hora atendemos.
Terça-feira, quatro novos desempregados e muitas gargalhadas ao sonharem com o amanhecer da quarta-feira. Dia em que buscariam novas vivências.
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NAS SOLAS DOS SONHOS

Naquele povoado habitavam inúmeras guerreiras e guerreiros...
Entre os que amaciavam o solo com as solas dos sonhos havia um jovem que chamava atenção pelo fato de iniciar e terminar seus dias tentando capturar ventos.
Seu nome era Alberto, mas todas e todos o conheciam como Betinho Ventania.
Betinho Ventania rumava pelas ruas do povoado com um garrafão dourado com umas fitas verde oliva na tampa. Chinelos de poesias nas solas dos sonhos, vestimentas de palavras que ornavam com o chinelo e o boné de travessura que só tirava quando colocava seu livro pra repousar.
No povoado os dias eram longos, o sol dava um grande passeio até a troca de turno com sua companheira lua. As vidas deles eram muito confortáveis, enquanto uma passeava a noite o outro passeava ao dia. Porém, às vezes, ficavam tristes por não passearem juntos. Com isso seus olhos nublavam e as lágrimas enchiam os córregos daquele povoado.
O pai de Betinho, o senhor Bebeto Vulcão, era um homem bravo e vivia escondendo o garrafão de Betinho dizendo enfurecido que os ventos não sopram para arejar solas de sonhos. 
A mãe de Betinho, dona Bendita Brisa, uma senhora calma com um olhar rasteiro e de solas de sonhos rachadas, esperava Bebeto Vulcão ir trabalhar na fábrica de apertar parafusos para subir no guardador de palavras e apanhar o garrafão de Betinho Ventania. 
Toda vez que dona Bendita Brisa entregava o garrafão para Betinho, ela dizia.
- Meu filho, toma teu garrafão! Capture teus ventos e os solte depois...
- Depois de quê mãe? 
- Depois do antes, meu filho, depois do antes...
Ventania disparava pelo povoado imaginando o que vinha antes do depois que sua mãe lhe falara.
O jovem Betinho passava boa parte do dia sobre as raízes de uma enorme nuvem, que ficava próxima da casa de sua amiga, Cintya Borboleta.
Cintya Borboleta quando avistava Betinho corria e deitava-se nas raízes da nuvem, e os dois ali se tornavam raízes, troncos, galhos e copas duma nuvem no céu de ventanias e borboletas.
Cintya Borboleta carregava consigo uma pequena caixinha em que costumava guardar silêncios. Seu pai, senhor Francisco Bem-ti-vi, e sua mãe, Antônia Margaria, lhe deram aquela caixinha para não deixar que seus silêncios escapassem.
Num domingo em que o sol sorria, Ventania e Borboleta esperaram a troca de turno nas raízes, e quando a magnífica lua surgiu acompanhada de suas brilhantes primas, Três Marias e Ursula Maior, Cintya esfarelou pensamentos e interrogações com Betinho.
- Betinho, capturou muitos ventos hoje?
- Cintya, eu os soltei, sempre depois do antes eu os solto.
- O que vem antes e o que vem depois para você soltar seus ventos?
- O antes e o depois Cintya, eu não consigo explicar, mas pelo o que eu observo nos olhos da minha mãe, nem precisa de explicação.
- Como assim?
- Quais são os silêncios guardados na tua caixinha?
Cintya olhou-o e respondeu.
- Aqui estão os silêncios que gritam comigo por não saberem dos ventos que você soltou.
Betinho também a olhou e disse com voz tremula:
- Teus silêncios sempre gritam comigo também. Dei-me a mão.
Os dedos entrelaçaram-se em meio ao suor do coração e caminharam até o córrego que transbordava com as lágrimas da lua da noite anterior. Chegando lá, Betinho pediu a caixinha de Cintya, apanhou um braço da bananeira e colocou o garrafão e a caixinha para flutuarem sobre as lágrimas dizendo:
- Cintya, daqui em diante nossos ventos e silêncios conhecerão os antes e os depois de um caminho inesperado e assim gostaria de seguir contigo também.
Cintya o abraçou e voltaram até as raízes da nuvem.
Contam que naquele povoado, desde então, os vulcões nunca mais entraram em erupção, as brisas fortificam as energias e entre bem-ti-vis e margaridas as Ventanias e as Borboletas conseguem conviver com o antes e o depois de cada habitante daquele povoado. Povoado aquele que só você imagina como pode ser.
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O Detergente e o Alargador

Numa região pobre e desconhecida, de uma cidade pobre e desconhecida em que moravam pessoas ricas e desconhecidas, havia dois seres que se destacavam, o Detergente e o Alargador.
Detergente tinha destaque por não se misturar com os pobres da cidade pobre e desconhecida, apesar de ser pobre e desconhecido, mas não totalmente desconhecido, pois era admirado por alguns pobres e desconhecidos e por alguns ricos conhecidos, pelo seu jeito liso, escorregadio e por teoricamente acabar com a sujeira da cidade desconhecida.
Alargador se destacava por ser uma representação nata da região pobre e desconhecida e por se misturar e muito com as pessoas ricas e desconhecidas que ali habitavam. Seus trajes, seu jeito de andar, os livros que lia, as músicas que gostava também chamavam atenção e cada vez mais se destacava por isso.
Enquanto Detergente se preocupava em limpar as ditas impurezas da região pobre e desconhecida ferozmente, Alargador rumava arduamente para tentar diminuir alguns buracos que ficavam e insistiam em ficar no pé do ouvido de algumas pessoas que não tinham o mesmo destaque que o seu.
Detergente não tinha vida fácil isso temos que frisar é comandado por mãos que pensam ter poder absoluto e ainda se esforça para exterminar o que chamam de sujeira, com seus comparsas, Bom-Bril e Bucha.
Se a vida de Detergente não era fácil imaginem a vida de Alargador, sujeito que nasceu com vários centímetros em curto período habitado nesta Terra, vivendo ao pé do ouvido dos seus pares, resgando e machucando a carne dos mesmos, sem querer que o sangue continue escorrendo naquela região pobre e desconhecida, da cidade pobre e desconhecida.
Certo dia as mãos dos ditos detentores do poder da região desconhecida, da cidade desconhecida, apontaram para Detergente e deram-lhe a ordem para que a limpeza fosse mais intensa e eficaz. Era a brecha que Detergente esperava muito tempo, para se sentir poderoso também.
Enquanto isso, Alargador continuava na batalha diária para que o sangue parasse de escorrer na região desconhecida, da cidade desconhecida, ocupando espaços públicos e privados os quais não publicavam e também não conseguiam privar seus feitos e esforços.
Detergente que era vermelho de raiva passou a ficar roxo de ódio na captura de Alargador, depois de saber da representatividade do mesmo na região pobre e desconhecida, na cidade pobre e desconhecida.
Detergente limpou várias vidas que julgava serem sujas e sujou várias vidas de ricos desconhecidos da cidade desconhecida até se deparar com Alargador, tudo para demonstrar que era parte do poder.
Alargador ao se deparar com Detergente fez uma breve reflexão.
- É agora que esse sujeito liso e escroto vai me sujar!
Sem que Detergente tivesse tempo de reação, Alargador o encarou e disse:
- Rato sujo, pau mandado, marionete de mãos covardes, você pode me sujar pensando que está fazendo a limpa, sei o que tu queres, vem, tente a sorte!
Detergente ficou mais roxo do que estava e numa estratégia calculada contou com Bom-Bril e com o Bucha, que sufocaram o Alargador.
Naquela noite escura da região pobre e desconhecida, da cidade pobre e desconhecida, o sangue desceu levemente pela Viela do Abandono Brutal, nº Zero, lentamente.
Enquanto o Bom-Bril equivocado acompanhado do Bucha traiçoeiro derem corda às ordens das mãos covardes para DETER GENTE a DOR continuará sendo ALARGADA na região pobre desconhecida, da cidade pobre e desconhecida.

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